quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O terno de 1 milhão de mentiras


                   Certa vez, por curiosidade enquanto um grupo de amigos conversava sobre as roupas que melhor vestiam as mulheres em nossas opiniões, fiquei curioso e questionei um amigo religioso neo pentecostal sobre o porquê de suas mulheres usarem – quase que irrestritamente – saias, e por que a tão pouco (dependendo da igreja, nula) variância da vestimenta. Sua resposta, a que ele acrescentou aplicar-se também aos ternos dos homens e sua quase recusa em shorts e afins, me fez refletir fundamente: “É uma maneira de nos separamos dos outros”.
Bem, não é segredo para ninguém que, de regra imputa, mas nem sempre descrita, grupos tendem à refutar outros e querem diferenciar-se deles (alguns mais, outros menos). Mas não nos parece meio hipócrita isto, quando os vemos praguejar aos quatro ventos sobre a “falta de compaixão e amor de Deus”, e se isolam (isolam à outros) por tão pouco?
Temos, sempre que necessário – mas de preferência o tempo todo –, compreender a ocorrência das situações que costumam envolver pensamentos e atitudes que se contrapõem numa forçosa harmonia (ou como me ensinou uma grande amiga, o duplipensar[1]). E, como visto em nosso dia-a-dia, vê-se situações assim na relação diária de pessoas religiosas e, talvez mais do que isso, dogmática.[2]
Ao andarmos nas ruas da maior parte das cidades brasileiras, principalmente pouco depois do início da noite, vemos muitas pessoas trajando chamativos e, por vezes incontáveis, incompatíveis vestuários que, socialmente, costumam até mesmo ser bem visto. Por quê? Por quê um homem de terno neste horário é (quase) inevitavelmente visto como um pastor? Dentre os variados aspectos que podemos ver aqui com relação à ligação das vestimentas e da ostentação, este é apenas um minúsculo grão numa praia de obviedade realizadas a milênios pelo ser humano.
Em grupos sociais, as roupas e como as vestimos possui – e a muito possuía – intrincado simbolismo relativo à sua representação de como indivíduo se insere e é inserido no cerne do grupo. Um símbolo destaca um membro; um símbolo indica à que grupo pertence; um símbolo indica sua especialização e de quanto ele pode (deve) ser bom naquilo que faz. Por tanto, o ser humano se viu necessitado de se achar, de se encontrar, como concepção metafísica de sua própria realidade e denotação de seu eu, para não perecer diante das assombrosas ações naturais que fatalmente lhe dilacerariam sua existência. Estes símbolos se aplicavam conforme houvesse uma necessidade intrínseca a determinado momento e ação que, visceralmente, se impunha a todos os membros pelos mais variados membros. Não é preciso reforçar, então, que estes meios de padronização simbológicos e impugnativos se aperfeiçoaram conforme se descobria uma dada melhora dialética, apologética.
Ou seja, esta simbologia toda não era necessariamente natural, como seria as ações que colaborassem com a manutenção do bando (bondade, altruísmo comedido, lealdade, companheirismo). Não. A adoção de símbolos sempre foi mais relacionada às ações de manutenção do grupo, como se este não, possuísse por si apenas, poder o suficiente para esta tarefa. Mas isto é muito mais facilmente relacionado com a insegurança das lideranças em observarem sua dominação completada pela atuação da simbologia imposta.
Isto, portanto, transportado aos nossos dias nos chama a atenção sob vários aspectos visíveis ao se caminhar por menos de 10 minutos em qualquer rua de qualquer cidade no planeta. Roupas, corte (ou não) de cabelos e pelos, trejeitos e tiques, sotaques e gírias, locais onde se mora e onde se frequenta[3]. Certo. Somos macacos sociáveis e vemos a dependência de símbolos – diretos ou indiretos – para nos estabelecermos. Algum problema com isso?
Não, de modo algum. A necessidade de autoafirmação é evolutiva e ajudou o ser humano em sua caminhada à consciência. Mas a contrapartida triste disso e – infelizmente parece ser – inevitável é a sobreposição de um símbolo a outro. Não cito àqueles que simplesmente ficaram ultrapassados por não mais satisfazerem as necessidade de dado grupo ou sociedade, mas àqueles que são desfeitos e denegridos por não condizerem com conotações arbitrárias e impositivas, que muitas vezes apenas estão entrando num novo contexto e são denegridos por uma simbologia arcaica, que seus grupos divulgadores que o tornam “sagrado”, assim não querendo vê-lo definhar e morrer, junto com seu grupo. Aqueles símbolos (os novos) são, portanto, amplamente difamados e possuem sua verdadeira identidade desfeita, independentemente de sê-lo real ou não.
Assim, formamos na compreensão deste texto o escopo de onde tentamos chegar. Sistematicamente, religiões vem durante toda sua história (que nos leva a tempos remotos) desfazendo símbolos anteriores – ligados à fé ou não – para que aquela possa manter-se na ‘eterna’ prosperidade, à medida que vai elevando o status de seus “legítimos” detentores: os líderes religiosos[4]. E o mais curioso – e contraditório, e hipócrita, e displicentemente ignorado – é que os mesmo símbolos religiosos hoje adorados simplesmente se criaram e perfizeram por meio do sincretismo histórico, a transição de ideias de lideres visitantes de terras distantes que traziam suas boas novas e interpelavam noções às vezes distintas, as vezes contradizentes, as vezes apenas não apresentadas acompanhadas. Isso criou a rica mitologia humana, com todas as suas nuances, detalhes, visões, sensações, interpretações, ações e... simbologias!
Mas alguns casos específicos passam pela triste aspereza de se apenas criar símbolos novos pela rude interpretação insossa do que lhe era um inatingível. O terno social teve seu início na corte francesa de Luís XIV, por volta do século XVIII:
(...) o rei (...) já usava; Era moda utilizar paletó, colete, camisa e calças feitas com diferentes tecidos, padrões e cores. O corte era largo, e o terno foi pensado como um vestuário de campo informal, conhecido como "roupa de descanso". Como essas roupas também eram utilizadas para andar a cavalo, os alfaiates faziam uma fenda atrás no paletó - origem das aberturas encontradas nos ternos atuais. Apenas em 1860 todos os componentes de um terno passaram a ser confeccionados com o mesmo tecido. O povo francês gostou da inovação e a aprimorou: Em vez de usá-la aberta sobre o peito, amarrou-a em volta da gola.”[5]

Como traje muito confortável e próximo da padronização exigida pela endossão de empresas e seus empregados, bem como vestuário de estilo, mas caros, conforme o tecido, o corte e o alfaiate (em meados dos anos 20 a 70). Esta vestimenta teve muito de seu auge nos Estados Unidos e, com sua doutrinação cheia de práticas regradas e dogmáticas, um povo extremamente religioso e fúria incessante à tudo aquilo que parecesse perturbar esta “ordem”. Assim, o terno tornou-se uma espécie de “uniforme” para o homem que se via no ápice desta sociedade, em todas as propagações de direitos e deveres com um típico “cidadão americano”.
Não demorou a que se o ideário destas condutas e ações – que inclui aí a vestimenta, a fala e outros mais – fosse espalhado para todo o país e, com isso, tornar-se regra para uso em cultos e celebrações religiosas, vistas que sua importância celebrava a necessidade do uso de seu melhor traje. Estas religiões de cunho protestantes e calvinistas se espalharam pelos países latinos[6], e o intento do símbolo norte americano de padrão de comportamento se espalhara juntamente.
A questão, por tanto, fica muito claro quando analisamos que o fato da vestimenta dos pastores e seguidores religiosos confirma-se como um símbolo, símbolo de uma cultura lhes emprestada e apropriada (no sentido de apropriar-se). Este símbolo demonstra muito mais na compreensão do que se verifica quando a soberba de se inserir num grupo que é visto de forma superior pelos seus membros, mas o irrisório motivo da separação. Sim, conheço (e acho que muitos devem conhecer também) pessoas que gastaram dinheiro que ‘não tinham’ na esperança de agradar (ou fazer-lhes inveja) aos outros membros do grupo. Ou seja: OSTENTAÇÃO, e não mais do que isso.
Acaba por parecer, então, hipócrita numa visão mais prosaica – mas verdadeira – de que a simbologia se mantém na ostentação do símbolo e, assim, na liturgia deste mesmo símbolo. Não apenas o temos, mas o mostramos e ostentamos a razão de nossa deferência ao grupo em que nos mantemos. A igreja lhe incumbe de dizer o quão é bonito e ostentoso este traje, e o quão ele é obrigatório para diferencia-lhes dos outros, incumbindo magistralmente que a função da igreja não é simbiose entre as pessoas, mas seu tácito afastamento (a não ser que o primeiro possa ganhar/reter algo em troca do segundo).
Longe da questão do certo ou errado ou mesmo de julgar qual o procedimento correto para este ou aquele indivíduo e/ou grupo (religiosos ou não), percebemos o quão a pequenez das prioridades humanas tem passado à largas escaladas de se chegar ao firmamento de uma consciência plena e nobre, onde pessoas de grupos diferentes tendem à afastar-se de outras de maneira acintosa e verborrágica, e utilizando da ostentação para deixar isso bem claro. A hipocrisia, por tanto, é um grito que dói aos olhos, mesmo sendo seu total direito de existir.




[1] O termo significaria exatamente isso: pensar de maneiras distintas e alinha-las apeladamente a concordarem, como “O homem é criado à sua imagem e semelhança” e “os erros humanos são erros dos homens” na mesma ideologia.
[2] É importante, também, entender-se que no contexto da vivência das pessoas, muitas vezes as religiões e suas pregações são apenas desculpas engendradas à suas concepções medíocres do ‘certo’ e do ‘errado’. Por tanto, por mais ignóbil que as religiões e suas pregações sejam, elas apenas servem para um pregador angariar devotos e, em contrapartida, estes devotos justificarem suas premissas equivocadas que, muitas vezes, não possuem ferramentas para esta percepção. Então estes são mais dogmáticos por si do que só. A religião é – e faz por onde – sua munição.
[3] Podem-se notar tendências a determinadas concepções como estas, até mesma ‘programadas’ para isso. Mas elas também podem ser impelidas conforme a formação do indivíduo.
[4] Difícil colocar aqui qualquer coisa que não seja a intenção da redundância. O ser humano costuma ser um tanto quanto criativo para se escolher nomes e funções: sacerdote, pastor, padre, rabino, gurus, profetas...
[6] Daí fala-se sobre a Doutrina Monroe, mas aí ficaria muito extenso o texto. (Vá ao link)

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#HD

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