segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

TEM PRAIA DE NUDISMO EM VENEZA?


Prometi a João Caetano (e promessa é dívida) que faria uma palestra sobre o humor e a religião no próximo encontro de ateus no Rio de Janeiro, para aproveitar essa polêmica sobre o “Charlie Hebdo”. Há quem diga que os cartunistas ofenderam o Islã desenhando o profeta Maomé, o que é proibido pelas leis muçulmanas. Claro que defenderei o direito de qualquer pessoa desenhar Maomé, se assim o desejar, mas os humoristas mais inteligentes saberão criticar a religião usando as contradições de seus textos e de suas regras.
Querem um exemplo? Vi agora há pouco no Facebook um vídeo em que um líder evangélico – um homem que no máximo completou 30 anos de idade (Alguém disse que é o filho do pastor Marcos Pereira, aquele que estava preso há pouco tempo) – mostrava que os crentes poderiam se divertir sim, sem infringir as leis de Deus. A primeira coisa que me chamou a atenção é que ele estava vestido como um personagem de novela brasileira ou, ainda mais característico, de seriado americano. Fosse eu roteirista de novelas, não faria os atores se vestirem á moda americana. O cidadão tinha uma camisa social lilás e percebia-se, aparecendo abaixo do pescoço dele, uma camisa de malha que, para americanos e europeus, é roupa íntima, mas aqui nos trópicos a gente exibe com imagens e frases do tipo “Alguém que me ama esteve em Porto de Galinhas e trouxe esta camisa para mim”. Quem nunca ganhou, comprou ou viu algo parecido em cidades turísticas?
E, para surpresa minha, ele estava no Rio Water Planet, em companhia de uma dúzia ou mais de gente mais jovem que ele. E se jogaram nas piscinas e tobogãs, com camisas e calças (não se podia ver joelho algum, mais alguns – mais liberais que seu líder – deixavam aparecer os pulsos).
Aprendi a ler na Universidade. Foi só lá que ouvi de um professor algo que repito sempre aos meus alunos: um texto é como uma moeda – tem dois lados: o que se diz e o que não se diz. Após perorar e demonstrar que é possível divertir-se sem expor o corpo, usando sungas e outros trajes segundo ele inadequados para um cristão, o vídeo termina e ficamos sem saber por quanto tempo eles suportaram o incômodo das roupas molhadas. Em que momento as trocaram e como. Há como trocar-se no Rio Water Planet sem ficar nu diante de alguém? Ou eles saíram andando para que o Sol fizesse o favor de secá-las?
Segundo o líder religioso, banhando-se assim no Rio Water Planet eles chamaram a atenção dos mundanos que viram que os cristãos podem sim se divertir. E esse testemunho demonstraria que eles eram os verdadeiros servos de Cristo, pois não descuidavam do pudor mesmo em um momento de lazer. Isso é o que o líder religioso imaginou que o povo estava pensando. Eu já imagino os adolescentes verem aqueles homens todos escondendo os joelhos e pensando: “Deus me livre e guarde de aderir a essa igreja! Finalmente entrei para a equipe Sub 17 do Vasco. Como poderei ser um jogador profissional sem mostrar meus joelhos no Maracanã?” Gol contra, pastor!
Outra questão: no vídeo, só vemos homens. Que pudor é esse de mostrar as formas diante de outros homens? Não haveria aí um medo incubado de ser visto por um irmão que tenha desejos homoafetivos? Não é uma confissão implícita de suspeita quanto aos irmãos do mesmo sexo? O Espírito Santo não os defende da homossexualidade?
E, como eu digo sempre, há dois textos aos quais os brasileiros se referem todo o tempo sem os terem lido: a Declaração dos Direitos Humanos, para dizerem que está toda errada; e a Bíblia, para dizerem que está toda certa.
Como aqui tratamos de religião, ao conferirmos o relato que o Evangelho de Marcos faz sobre a noite da prisão de Cristo, eis o que o evangelista diz que aconteceu quando os soldados levaram o Cristo preso: “Um jovem o seguia coberto só de um lençol. Eles o pegaram, mas ele largou o lençol e fugiu nu”. (Marcos 14: 51 e 52.) Páginas depois, Marcos confessa que o rapaz que saiu correndo peladão pelas ruas de Jerusalém – altas horas, que sorte! – para não ser preso, era ele mesmo. – Aliás, São Marcos é o padroeiro de Veneza. Se um dia eu puder ir a essa cidade, a primeira coisa que farei será me informar se há uma praia de nudismo lá. Se não houver, empunharei uma Bíblia e irei reivindicar junto ao prefeito a autorização para a prática de nudismo naquele lado do Mediterrâneo, como justa homenagem ao protetor da cidade.
Mais adiante, lemos, no Evangelho de João, um relato sobre um encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos à beira-mar.
“Então, o discípulo que Jesus mais amava disse a Pedro: “É o Senhor!” Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu e arregaçou a túnica (pois estava nu) e lançou-se ao mar.” (João 21: 7)
Ou seja, quem acredita que tudo que a Bíblia diz é verdade tem que concordar que Jesus e seus discípulos estavam longe de serem pudibundos.
Com esse texto, fica mais uma vez comprovado que os religiosos adoram falar do que não entendem – inclusive a Bíblia.

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