quinta-feira, 23 de abril de 2015

CONHECER DE OUVIR FALAR


O jornal O GLOBO publicou no dia primeiro de abril – e eu gostaria que fosse mentira! – uma pesquisa da Fecomércio-RJ que revela que, em 2014, 70% dos brasileiros não leram um livro sequer em 2014. E, penso eu, quantos dos que leram não prestigiaram o lixo da superstição e das pseudociências?

O problema é muito complexo. Além do preço alto dos livros contra os baixos salários do povo, a maioria das cidades brasileiras não têm bibliotecas públicas, e as que existem fecham nos fins de semana – por isso aplaudo a existência da Biblioteca Parque Estadual, que não fecha nos fins de semana e fica aberta durante a semana até as 20 horas. Não há estímulo para a leitura. E o brasileiro acha que só se deve ler para passar numa prova, razão pela qual a maioria, ao deixar a escola, passa o resto da vida sem abrir um livro. Poucos pensam que a leitura possa preparar para a vida, para a tomada de decisões, para o melhor julgamento de questões.

A saúde da democracia depende do incentivo à leitura. E a saúde da Educação depende de uma boa remuneração dos professores para que eles possam ter dinheiro para gastar com livros. É preciso que os professores leiam para saberem o que indicar aos alunos. É preciso que os alunos conheçam autores e obras ouvindo falar deles, para que, querendo ler ou precisando de uma informação, saibam onde procurar.
Sou professor de Língua Portuguesa e aproveito cada ocasião em que falo de Gramática para falar de grandes autores e de textos importantes. Já escrevi no quadro artigos da Constituição ao ensinar acentuação gráfica, para que os alunos compreendessem o que é um Estado democrático. A mesma coisa fiz com parágrafos de “A Origem das Espécies”, de Darwin, para que eles entendam como esse grande cientista argumentava, que a Evolução não é um delírio de um ateu revoltado, como dizem a eles desonestos fundamentalistas.

Ao ensinar adjuntos adverbiais, escrevo frases do tipo: “Em 1953, o escritor Josué Montello casou-se com Yvonne na embaixada do México”. Explico:

-- “Em 1953” é adjunto adverbial de tempo, porque informa quando o fato aconteceu; “na embaixada do México” é adjunto adverbial de lugar”, porque diz onde o fato aconteceu. Mas por que eles se casaram na embaixada de um país estrangeiro, e não num cartório? Porque, naquela época, não existia divórcio no Brasil. Quando um casal se separava, se desquitava, e o desquite não dava direito a um novo casamento. Quando foi proclamada a República e feita a separação entre Igreja e Estado, o deputado Pardal Mallet defendeu que se criasse a lei do divórcio, mas a Igreja impediu isso dizendo que quem defendia o divórcio queria destruir a família. Só em 1977 Nelson Carneiro conseguiu aprovar a lei do divórcio, e as famílias não se acabaram por causa disso, como diziam as igrejas. – É preciso dizer isso não apenas para que eles ouçam falar do grande escritor Josué Montello, um dos criadores da Universidade Federal do Maranhão, mas que entendam também que a vida nem sempre foi como é hoje, que as leis e os costumes mudam, que nada está parado.

Aplaudo de pé o cineasta José Padilha que, no filme “Tropa de Elite” colocou uma cena em que, numa sala de aula de uma universidade, discutia-se a obra “Vigiar e Punir”, do filósofo Foucault. Por causa dessa cena, alguém que viu o filme leu Foucault. Alguém que não saberia da existência desse livro se não fosse o filme. Da mesma forma, quando traduzi o romance "Valperga", de Mary Shelley, semeei fartamente notas de pé de página com referências a importantes obras que merecem ser lidas.

É urgente que os professores assumam o hábito de comentarem livros em sala de aula.

É urgente que assumamos o hábito de comentar livros nas redes sociais.

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